quarta-feira, 30 de março de 2011
Quilombos:Elementos de Identificação
Para apresentar os elementos que estão em jogo para se buscar uma definição e identificação étnica dos quilombos hoje, é necessário algumas pontuações.
Para os grupos negros, o território é condição essencial que define quem são, onde estão e porque estão em determinado lugar. Nessa medida, a relação dos grupos negros com o território, implica na essência do seu viver, pois o mesmo simboliza o trabalho, a memória e as experiências de um grupo no passado e no presente. Ademais, as narrativas desses grupos negros direcionam-se à terra, à produção social e do direito de ser gente.
Assim, para uma definição étnica é preciso compreender a identidade, a cognitividade do quilombo, como o grupo se auto-atribui como identidade étnica . Esse trabalho cabe ao antropólogo, como diria Eliane Catarino, o qual diante de uma perspectiva antropológica, deve analisar o grupo étnico como “tipo organizacional”, buscando definir limites entre os considerados de dentro e de fora, ou seja, é preciso levar em conta apenas as diferenças significativas em relação aos membros do grupo étnico, os sinais diacríticos, ou seja, seus sinais característicos . Cabe ao antropólogo identificar a estruturação interna do grupo e seus processos sociais interativos, isto é cabe a ele contextualizar o grupo utilizando como parâmetro as classificações e categorias de auto – identificação .
Existem duas categorias de se vê a terra, a do IBGE e a do INCRA, mas o que interessa é a dificuldade do reconhecimento das chamadas Terra de Preto, que com a aprovação do Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias tende para uma perspectiva voltada para o passado e para o que teria “sobrevivido” sob a designação de “remanescente”, de comunidades de quilombos. Dessa forma, Alfredo Wagner Breno de Almeida tece criticas ao pensamento jurídico de 100 anos atrás com relação aos quilombos, dizendo que tal pensamento é uma idéia frigorificada, ultrapassada. Sendo assim, questiona o conceito de quilombo, direcionando seu discurso à ênfase de que o quilombo se dá como trabalho livre, como acamponesamento; como trabalho autônomo . Para Almeida, ao contrário do que diz o Artigo 68 da Constituição de 1988, que trata o quilombo como remanescente, como sobrevivente , Almeida julga necessário trabalhar o conceito de quilombo considerando o que ele é no presente, discutindo como sua autonomia foi sendo construída historicamente. Para ele o quilombo é contraposição da escravidão. É a antítese da dependência do trabalho . Logo, para estudá-lo deve ser deixadas de lado as concepções arqueológicas de quilombo, visto que não satisfazem as condições reais.
Diante disso, aprecem termos como remanescentes, uso comum da terra e Etnicidade.
O termo remanescente, no artigo 68, vai de encontro a idéia de sobras, de restos, buscando encontrar, nas comunidades atuais, formas atualizadas de antigos quilombos. Mais do que isso, como diria José Mauricio Arruti, o interesse não são as “reminiscências” dos antigos quilombos, mas organizações sociais , grupos que estejam se organizando para garantir direitos por parte do Estado, pois o que está em jogo é a manutenção de um território. Resumidamente, o termo remanescente é algo de identificação, devendo sim ser recontextualizado, tendo por base a memória da terra e essa identificação sendo étnica e não racial.
Outro termo que serve de elemento de identificação são as “terras de uso comum” , onde os laços solidários e de ajuda mútua informariam o conjunto de regras firmados sobre uma base física, considerada comum, essencial e inalienável. Esse paradigma de “terras de uso comum”entra no lugar de outro paradigma considerado frigorificado, que seria da “fuga e isolamento”.
Por fim, vem um terceiro elemento de definição que é o de Etnicidade, que surge como uma forma de romper com a imposição de um significado para quilombo baseado em um modelo palmarino. Contudo, o conceito de etnicidade impõe uma definição para remanescentes de quilombos centradas em critérios subjetivos e contextuais, marcados pela idéia de contrastividade, onde um grupo se percebe e se define em oposição ao outro.
Portanto, os quilombos devem ser trabalhados como são no presente, e como o artigo 68 restringe o conceito de quilombo a uma única situação, ou seja, a de remanescentes na condição de “ fugidos e distantes”, torna-se necessário se livrar de definições frigorificadas, buscando sim , compreender como esses grupos sociais se autodefinem, pois foi com essa via que se construiu e afirmou a identidade coletiva. Logo, deve-se pensar o quilombo como um grupo étnico de organização político-administrativa .
Por Alexandre Amaral
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