domingo, 27 de março de 2011
Ensaio sobre o Sagrado
O Sagrado seria uma potência ou força sobrenatural que alguns seres possuem (animal, plantas, humanos, coisas, ventos), podendo ser tal potência um poder próprio e definitivo, como algo que ele pode possuir e perder, não ter e adquirir. O sagrado é algo simbólico que diferencia os seres, promovendo superioridade e poder de alguns sobre os outros, onde tal superioridade e poder são sentidos como espantosos, misteriosos, desejados e temidos. Com a sacralidade aparece a ruptura entre o natural e o sobrenatural. O que seria esse sobrenatural? Ora, o sobrenatural seria uma força ou potência para realizar aquilo que os humanos julgam impossível realizar, contando apenas com as forças e capacidades humanas. Por exemplo, em várias culturas, um grande guerreiro cuja força, destreza e invencibilidade são espantosos é considerado habitado por uma força sagrada; em algumas regiões desérticas a água por ser escassa é considerada sagrada. Isso gera o encantamento do mundo, um mundo mágico habitados por forças maravilhosas e poderes admiráveis, criando vínculos de simpatia-atração e de antipatia-repulsão entre todos os seres, agindo a distância, enlaçando entes diferentes com laços secretos e eficazes.
Dessa forma, o sagrado é a qualidade excepcional – boa ou má, benéfica ou maléfica, protetora ou ameaçadora – que um ser possui e que o separa e distingue de todos os outros, embora, em muitas culturas todos os seres possuam algo sagrado pelo que se diferenciam uns dos outros.
O sagrado pode fazer nascer devoção e amor, repulsa e ódio, tais sentimentos provocam um outro: o respeito feito de temor. E é dessa forma que surge o sentimento religioso e a experiência da religião, a qual pressupõe que, além do sentimento de diferenciação entre natural e sobrenatural haja o sentimento da separação entre o humano e o sagrado, mesmo que este habite nos humanos e na natureza.
A palavra religião vem do latim religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o verbo ligare (ligar, unir, vincular). Logo, a religião é um vínculo entre o sagrado e o profano, ou seja, entre as divindades e a natureza ou um lugar separado dela. Em várias culturas, este vínculo é simbolizado na fundação de uma aldeia, vila ou cidade, onde o guia religioso traça figuras no chão e repete o mesmo gesto no ar. Estes gestos, delimitam o espaço sagrado e consagrado (ar e solo) e é por meio da sacralização que a religião cria a idéia de espaço sagrado.
A religião não transforma apenas o espaço, mas também qualifica o tempo, sacralizando-o. Esse tempo sagrado é uma narrativa, uma história sagrada, sobre a origem dos deuses e como pela ação deles, surgem as coisas, plantas, animais e seres humanos. Essa narrativa sagrada é a maneira pela qual uma sociedade narra para si mesma seu começo e o de toda realidade, inclusive o nascimento dos próprios deuses. Este tipo de história feita pela religião é chamada de Teogonia ( do grego theos, “deus”; gonia, “geração”), isto é a geração ou nascimento dos deuses, semideuses e heróis. Só quando surgiu a filosofia e depois dela a teologia é que a razão exigiu que os deuses não fossem apenas imortais, mas também, eternos, sem começo e sem fim.
Embora seja uma explicação para ordem natural e humana tal narrativa sagrada não se dirige ao intelecto dos crentes, pois não é uma filosofia, nem ciência, mas se dirige ao coração deles, despertando emoções e sentimentos como admiração, espanto, medo, esperança, amor, ódio; e por se dirigir as paixões dos crentes, a religião só pede uma coisa: Fé, ou seja, a confiança ao que lhe é manifestado como ação divina. Dessa forma, a religião não é crença, não é saber; e a tentativa de transformar a religião em saber racional é chamada de Teologia.
Portanto é a religião que liga humanos e divindades, é quem organiza o espaço e o tempo e para garantir que a ligação e a organização se mantenham e sejam propicias, são criados os rituais. Dessa forma, a religião é um vínculo que visa “unir de novo” o mundo profano e o mundo sagrado, o mundo natural (água, fogo, animais, humanos) e o mundo sobrenatural (as divindades que habitam a natureza).
Por Alexandre Amaral
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